quinta-feira, 5 de abril de 2012

Nem Português, nem Espanhol!



Conta uma lenda brasileira (1) que na sexta-feira seguinte ao Reino Português se ter separado do Reino de Leão e Castela, o Rei Português mandou chamar os seu eruditos e declarou: agora que somos independentes, precisamos de uma língua própria! Vocês vão ter de a inventar! Mas atenção, quero que seja uma língua que permita que nós portugueses, possamos entender o que eles - Leoneses e Castelhanos - falam, mas eles não consigam entender  o que nós falamos! Os sábios reuniram durante muito tempo, discutiram, passaram noites sem dormir, e então, ao fim de um tempo surgiu o Português. E aconteceu o que o Rei pretendia: a maioria das pessoas que fala o português entende tudo o que dizem aqueles que falam o espanhol, mas o contrário não é verdade! Os brasileiros, quando descobriram que as diferenças eram pequenas, e numa tentativa de melhorar a comunicação com os seus vizinhos, inventaram o Portunhol. Um tipo de Português, ligeiramente diferente, que pode ser entendido por aqueles que falam português e pelos que falam espanhol. 
Lenda à parte, a verdade é que o Portunhol, é um dialecto que tem a sua origem na mistura de palavras portuguesas e espanholas, ambos línguas latinas, muito comum nas cidades de fronteira entre países lusófonos e hispânicos. Esta língua é falada nas cidades fronteiriças do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Neste último país existe mesmo um tipo de Portunhol, chamado Riverense, também conhecido por Fronteiriço
E é aqui que os estudiosos mais centraram a sua investigação pois apesar de todos os esforços das autoridades uruguaias para fazer desaparecer este dialecto ele mantém-se e teima em não desaparecer. Na actual região do Rio Grande do Sul, estabeleceram-se jesuítas espanhóis para promoveram a evangelização sob o jugo de Espanha. Os jesuítas pouco influenciaram a língua dos nativos (...) porque ao invés de fazerem os índios estudarem o espanhol, eram eles que aprendiam o guarani (Furtes Álvarez, 1964). Em 1680 os Portugueses fundaram a Colónia de Sacramento, junto ao Rio Plata, e começaram a desafiar o poder dos espanhóis nessa região. Após vários confrontos, ameaças e tratados, os portugueses recuaram territorialmente, mas mantiveram o desejo de conquista da região. Em 1816, Portugal conquista toda a Província Oriental do Paraguai, a chamada Província Cisplatina, e manteve o seu domínio até 1828, altura em que o Brasil já independente, reconhece o Uruguai como Nação. Mas a grande conquista portuguesa foi a influencia linguística. Segundo José Pedro Rona (1965), a invasão portuguesa (...) trouxe consigo um notável incremento da colonização portuguesa até aos últimos confins meridionais, nas margens do rio Plata. Obtida a independência definitiva, esta corrente colonizadora não decaiu, mas terminou por povoar com portugueses e brasileiros todo o norte do Uruguai. Portanto a base étnica, e em consequência, a linguística de toda esta zona, é portuguesa e não espanhola. Esta realidade era uma ameaça para a língua espanhola, reconhecida como língua nacional do Uruguai.
Entre 1867 e 1878 foram construídas numerosas escolas nas comunidades de fronteira com o Brasil, e fomentado o ensino do espanhol. Durante estes últimos séculos várias medidas foram implementadas pelas autoridades uruguaias, sem resultados. O Portunhol continua a ser falado por grande parte das populações de fronteira com o Brasil. A história de uma língua está indissoluvelmente unida à história do Povo que a fala (Alma Pedretti de Bólon, 1983). O Portunhol é uma língua  do quotidiano da população, vivida, sem controlo gramatical. O objectivo é fazer-se compreender, é comunicar. Parece ser uma constante brincadeira para quem a fala e para quem a ouve. São cometidos graves atropelos às duas línguas, enganos de semântica, mas o objectivo é sempre atingido: comunicar! Numa reunião no Paraguai, o Presidente Lula da Silva ao ser inquirido pelos jornalistas, respondeu em verdadeiro Portunhol amanhãna eu hablo. Si queden tranquilis; Carlos Menem, ex-presidente da Argentina numa reunião da Mercosul afirmou eu vou falar no idioma da Mercosul, que é o Portunhol; um jornalista  a comentar a eleição de Lula da Silva, disse el presidente Lula fue elecho. Até na poesia esta língua tem representação, como é exemplo disso, o poema de Mário Quintana, intitulado Edificante Poema Escrito em Portuñol:

Don Ramón se tomo um pifón:
bebia demasiado, don Ramón!
Y al volver cambaleante a su casa,
avistó em el camino:
um árbol
y um toro…
Pero como veia duplo, don Ramón
vio um árbol que era
y um árbol que no era,
um toro que era
y um toro que no era.
Y don Ramón se subió al árbol que no era:
Y lo atropelo el toro que era.
Triste fim de don Ramón!

Como diz um velho ditado português, o que não tem solução solucionado está, e contra tudo e contra todos, o Portunhol faz parte da cultura da América Latina, e tem um dia próprio: a última 6ªfeira do mês de Outubro.
Esta persistência da cultura popular sobre as decisões governamentais, faz-nos pensar, numa altura em que o Acordo Ortográfico, quer regulamentar a língua portuguesa!


Nota: Em vez de língua espanhola deveria estar escrito língua castelhana, mas como se trata de um texto que gira à volta de um dialecto popular, não alterei a designação para castelhana, mantendo o seu sentido mais popular


(1) não consegui comprovar a origem desta lenda, mas por ter uma ironia própria adequa-se à própria história do Portunhol, sempre inventivo e sem regras.

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